BVM pretende ser um barómetro efectivo da economia moçambicana

As Bolsas de Valores são consideradas barómetros das economias, sendo a melhor opção para diagnosticar sinais de crise ou bons momentos de investimento em acções, títulos de capitalização, poupança, imóveis, negócios imobiliários e constituição do negócio próprio. O PCA da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), Salim Cripton Valá, tece na Negócios uma análise sobre o mercado bolsista em Moçambique, particularmente do ano 2020 em que as economias do mundo inteiro foram fortemente abaladas devido à pandemia da Covied-19.
Que balanço faz do desempenho da Bolsa de Valores de Moçambique em 2020?
O ano de 2020 foi devastador para quase todo o mundo, com as economias de muitos países a serem seriamente afectadas pela pandemia da Covid-19, gerando consequências económicas e sociais que se crêem mais negativas do que a crise financeira de 2008.
As bolsas de valores, consideradas barómetros das economias, foram as primeiras a sentirem o seu impacto, com descidas dos mercados bolsistas equiparáveis ao “Crash de 1929” e à “Grande Depressão de 1930” nos EUA, com repercussões em todo o mundo.
Foi um ano que colocou à prova a capacidade da BVM de enfrentar adversidades, tendo reduzido a liquidez do mercado e o número de empresas cotadas (em relação ao ano de 2019), enquanto os outros indicadores bolsistas conheceram uma evolução positiva, ou seja, a capitalização bolsista passou de 102.139 milhões MT, no início de 2020, para 114.216 milhões MT, no final do ano, um crescimento de 11,8%. O número de títulos cotados na BVM subiu 8,8%. Já o crescimento do volume de negociação subiu 9,3% ao passar de 5.100 milhões MT para 5.572 milhões MT, mas como a capitalização bolsista teve um crescimento percentual superior, o índice de liquidez teve um decréscimo de 2,3%. O número de títulos (184) e de titulares (23.301) registados na Central de Valores Mobiliários aumentaram em 14,3% e 5,2%, respectivamente.
Até finais de 2020, a BVM possui 11 empresas cotadas, partindo de um cenário de 4 empresas listadas em Março de 2017, e a capitalização bolsista em % do PIB real (2020) foi de 17,12%.
Apesar da conjuntura económica do País, o mercado de financiamento interno também teve um desenvolvimento positivo. O financiamento ao Estado e à economia aumentou 38,2% e 39,6%, respectivamente, enquanto que no financiamento corporativo (obrigações e papel comercial) o crescimento foi muito mais modesto, cerca de 1,4%, representado essencialmente pelas emissões de Papel Comercial pela Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) e a TyrePartner.
Quero destacar que, em Janeiro de 2020, registou-se a cotação em Bolsa da Rede Viária de Moçambique, SA (REVIMO), tendo sido a primeira empresa a ser cotada no Terceiro Mercado, que foi criado em Novembro de 2019. Ao longo do ano, foram aprovados alguns instrumentos de gestão institucional, como a “Visão Estratégica e Operacional da BVM, 2020-2024”, o “Programa de Educação Financeira da BVM, 2020-2024”, e aprovados instrumentos de Gestão do Risco, Controlo Interno e de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo.
Foram celebrados vários memorandos de entendimento entre a BVM e diversas instituições nacionais (Secretaria de Estado do Desporto, Instituto Nacional de Minas, Bolsa de Mercadorias de Moçambique e Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação), visando promover a criação das SAD, financiar os operadores mineiros, mecanismo de financiamento à agricultura e comercialização e potenciar a educação financeira junto dos estudantes do nível secundário.
“A BVM será um instrumento financeiro mais usado no pós-Covid-19”. Esta frase foi título do texto editorial da primeira edição do newsletter Info@ BVM em 2020. Que estratégias pretendem adoptar para que tal se concretize?
As empresas cotadas na BVM apresentaram, durante o ano 2020, um comportamento esperado face aos efeitos económicos negativos decorrentes da pandemia. Das três empresas com maior liquidez de mercado (HCB, CDM e CMH), a CDM e a HCB desvalorizaram em 40% e 25%, respectivamente, devido a um aumento da oferta vendedora e a pressão compradora em baixa, enquanto que a CMH aumentou o valor da cotação das suas acções em 68,18%, justificada em parte pela escassez de oferta deste título. Os outros títulos mantiveram a sua cotação, em parte devido a ausência ou reduzido volume de negociação.
Durante o ano 2020, o Índice “BVM Acções”, que representa o comportamento do mercado accionista, teve um crescimento de 28,53%, enquanto que o Índice “BVM Global” (comportamento do mercado bolsista) e o Índice “BVM Obrigações” (comportamento do mercado obrigacionista) tiveram um crescimento muito mais modesto, na ordem dos 0,67% e 0,47%, respectivamente.
O período pós-Covid-19 vai demandar ainda maior volume de financiamento para as empresas, em particular as PMEs, e cruzando essa necessidade com os programas ousados de promoção da educação e literacia financeira adoptados pela BVM, teremos mais agentes económicos e empresas a usar os serviços e produtos do mercado de capitais, muito mais do que no passado.
Por outro lado, a BVM tem estado a implementar um abrangente conjunto de iniciativas constante no seu Plano Estratégico (2017-2021), que prevêem a introdução de novos produtos e serviços inovadores, novos mercados e instrumentos financeiros, movimento esse que ditou, por exemplo, a criação do Terceiro Mercado de Bolsa e o Índice BVM. Nos contactos permanentes que temos mantido com a CTA, que é um dos parceiros estratégicos da BVM, temos constatado o crescente interesse dos empresários moçambicanos em usar a BVM como um meio alternativo de financiamento, poupança e investimento, como resultado da pressão decorrente da crise económica e dos efeitos da Covid-19 na economia e sociedade moçambicanas.
A estrutura societária da esmagadora maioria das empresas moçambicanas não permite que estas se cotem na Bolsa de Valores. Que estratégia a BVM está a adoptar para reverter esse quadro?
O número de empresas manifestando a sua intenção e interesse de virem para a bolsa tem sido crescente, sendo o resultado de uma cada vez maior disseminação das acções de literacia financeira da BVM sobre o Mercado de Capitais e Bolsa, do contributo das instituições parceiras da BVM, dos operadores de Bolsa, bem como pelo reconhecimento das vantagens e benefícios que a adesão ao mercado bolsista representa para as empresas que já usam esse mercado.
Com a cotação em Bolsa, as empresas passam a ter uma maior visibilidade pública da sua actividade, dos seus resultados e impactos, perante uma comunidade alargada de investidores, quer no mercado interno quer nas praças financeiras internacionais. Passam a ter acesso a novas alternativas de financiamento, como a emissão de obrigações corporativas ou de papel comercial, assim como ao financiamento baseado no próprio capital da empresa, através da venda ou emissão de novas acções.
A potencial valorização das acções cotadas no mercado bolsista é uma forma indirecta de financiamento, ao poderem ser utilizadas como garantias ou colaterais em operações creditícias. É uma valorização decorrente do mercado e dos investidores, que olham para um conjunto de factores intangíveis, que não entram na avaliação contabilística das empresas, mas que são relevantes para os investidores, como a marca, carteira de clientes, projectos com boas perspectivas para o futuro, áreas atractivas de negócio da empresa, obtenção de novos contratos, boa governação corporativa da empresa, política de sucessão nas empresas familiares, entre outros factores.
Estas vantagens, permitem às empresas financiarem-se por um custo de capital mais baixo que outras alternativas de financiamento, e a entrada de novos parceiros na sua estrutura accionista pode representar uma mais-valia para a sociedade.
A consciência destas vantagens e benefícios por parte das empresas tem feito com que estas se aproximem da Bolsa, mas nem todas possuem a totalidade das condições para entrarem na Bolsa, sendo que as principais razões são: (1) ausência de contas auditadas (pelo menos um ano); (2) não serem sociedades anónimas (a maior parte são sociedade por quotas); e (3) não possuírem dispersão accionista suficiente (mínimo de 5% do capital social).
Para fazer face à realidade do sector empresarial, e não excluir estas empresas do acesso ao mercado bolsista, a estratégia da BVM foi criar um mercado especial, de incubação/preparação, no qual se torna possível a estas empresas serem admitidas à cotação, tendo dois anos para alcançarem os requisitos em falta e, assim, passarem para os mercados oficiais de Bolsa, nomeadamente o Mercado de Cotações Oficiais (Estado e Grandes Empresas) e o Segundo Mercado (Pequenas e Médias Empresas).
O trabalho em curso com a CTA, mas também com instituições como a OCAM, ISCAM, IPEME, APME, as Instituições de Ensino Superior (IES), entre outras, está a permitir que mais empresários tenham consciência da sua situação em termos de cumprimento dos requisitos de admissão, e possam aproximar-se da BVM, que, por sua vez, concede orientação técnica e metodológica através do Gabinete de Apoio às Empresas e aos Investidores.
Quero também reconhecer o contributo axial dos órgãos de comunicação social na divulgação dos serviços, produtos, mercados e instrumentos financeiros disponíveis na BVM, entre jornais, revistas, televisões, rádio, incluindo as redes sociais. Nesta esteira, quero enaltecer o papel que tem estado a ser desenvolvido pela revista ‘Negócios’ na operacionalização do Programa de Educação Financeira da BVM.
Gostaria de lhe colocar uma questão que a BVM tem referido com alguma insistência, a par da confiança, integridade, credibilidade e transparência, que é a Governação Corporativa. Porque este tema da boa governação é tão relevante para a BVM?
A confiança, integridade, credibilidade e transparência são quatro atributos essenciais para o Mercado de Capitais e as Bolsas de Valores, muito considerados e apreciados pelos mercados e pelos investidores. No caso das empresas, estes atributos essenciais para todos os seus “stakeholders” são transmitidos através da boa gestão da sociedade, o que é o mesmo que dizer através da boa governação corporativa.
Cada vez mais, os empresários têm a consciência de que o valor da sua empresa é o resultado da soma dos seus activos, tangíveis e intangíveis (marca, inovação, activos humanos, informação, boa gestão), e, estes últimos activos, ao serem considerados como os grandes responsáveis pela manutenção e incremento das vantagens comparativas e competitivas das empresas, passaram a ser bastante reconhecidos e valorizados pelos investidores.
Vários autores consideram que as empresas com um bom nível de governação corporativa aumentam a confiança dos investidores e a liquidez do mercado, pelo que os mercados bolsistas estão dispostos a pagar mais (prémio) pelas acções dessas empresas, sendo que esse prémio é a diferença entre o preço de mercado (“market-value”) e o valor contabilístico da empresa (“book value”).
Em Moçambique, as empresas cotadas na Bolsa têm o dever de prestação e publicação de informação ao mercado e aos investidores, o que não sucede com as restantes empresas. Uma empresa cotada na Bolsa é percebida pelos investidores como sendo de maior confiança, integridade, credibilidade e transparência, o que potencia o interesse dos investidores por essa empresa. Muitos académicos associam as boas práticas de governação corporativa a um desempenho de gestão superior, e, portanto, mais capaz de garantir um maior rendimento aos accionistas dessas empresas, e vários foram os estudos que demonstraram a relação positiva entre um maior nível de boa governação corporativa e o valor das suas acções nos mercados bolsistas.
A nível interno, temos estado a desenvolver acções estratégicas visando reforçar as áreas de governação corporativa, “compliance”, “accountability”, controlo interno, gestão de ricos, ciber-segurança e medidas de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo
Durante a sua intervenção no VI Conselho Coordenador do MOPHRH, em Dezembro de 2020, referiu que a BVM já tem algumas iniciativas de financiamento à indústria de bebidas e alimentar, hidrocarbonetos, construção e seguros. Poderia elucidar-nos mais sobre esta iniciativa?
Ao longo dos mais de 20 anos de funcionamento da BVM, foram já várias as operações de financiamento realizadas através da Bolsa de Valores, que até Fevereiro de 2021 ascendia a um montante total de 176.217,89 milhões MT, o equivalente a 2.320 milhões USD, tendo a reconhecer que as empresas ainda não se financiam significativamente através da Bolsa de Valores.
Do financiamento corporativo, este destinou-se a diversas empresas, como a Oferta Pública de Venda de 4% das Acções da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), no montante de 55 milhões USD, em Julho de 2019, e a Oferta Pública de Subscrição de novas acções da Cervejas de Moçambique (CDM), em Agosto de 2019, no montante de 124,5 milhões USD.
Em termos de financiamento corporativo, gostaria de referir que a própria banca e outras sociedades financeiras já se financiaram no Mercado de Capitais (BIM, BCI, Standard Bank, Mozabanco, Oportunity Bank, BayPort, etc.), assim como outras empresas, a título de exemplo a CETA, Companhia de Moçambique (Entreposto), Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM), TyrePartner, entre outras.
A perspectiva é que o mercado de capitais possa ser usado para financiar infraestruturas, como o caso de estradas e pontes, abastecimento de água e saneamento, gestão de recursos hídricos e projectos habitacionais. A propósito, há já uma experiência concreta de financiamento da Rede Viária de Moçambique (REVIMO) por via da BVM, e estão a ser desenvolvidas acções visando viabilizar o financiamento desse tipo de projectos através do mercado de capitais.
Falou do financiamento ao Estado através da BVM. Pode-nos falar um pouco sobre este tema?
Desde a criação da BVM em 1999, que o Estado se passou a financiar no mercado de capitais, com o lançamento da emissão de Obrigações de Tesouro 1999, no valor de 60 milhões MT (na altura 4,5 milhões USD), e que veio a ser o primeiro título a ser cotado na BVM. Começava assim o financiamento ao Estado via Mercado de Capitais, através da emissão de Obrigações do Tesouro (OT’s). Até 2002, as emissões de OT´s eram feitas através de concurso público para as instituições financeiras, que apresentavam condições de colocação, que embora fossem as do mercado, nem sempre eram as mais favoráveis aos interesses do Estado.
A partir de 2003, a Bolsa de Valores passou a ter o Estatuto de Promotor da Dívida Pública Interna, e as emissões passaram a ser realizadas por leilão competitivo, em condições mais favoráveis ao Estado, em termos de custos de emissão e a menores taxas de juro. Em 2013, e no âmbito da promoção do mercado de financiamento interno, o Governo estabeleceu o Regime Jurídico das Obrigações do Tesouro e aprovou o Estatuto de Operadores Especializados em Obrigações do Tesouro (OEOT). Os OEOT’s são intermediários financeiros comprometidos com o Estado na colocação das Obrigações do Tesouro, de acordo com o programa anual de emissão, assegurando o acesso dos investidores às emissões destes valores mobiliários e à sua liquidez no mercado secundário.
Actualmente, a BVM conta com 15 Operadores Especializados em Obrigações do Tesouro (OEOT). O incremento do número de instituições financeiras com Estatuto de OEOT, permitiu ao Estado desempenhar com maior eficiência e eficácia a colocação efectiva das Obrigações do Tesouro no mercado primário, e a promoção da liquidez das OT´s em mercado secundário.
Assim, o mercado interno passou a ser, cada vez mais, uma fonte de financiamento para o Estado através da emissão de Obrigações do Tesouro, e dentro dos limites dos montantes definidos no Orçamento do Estado. Se, em 1999, a emissão de OT´s foi de 60 milhões MT, já em 2020 o seu valor de emissão ascendeu a 39.800 milhões MT.
A emissão de OT´s nem sempre foi regular e foi crescendo ao longo dos anos, quer em número de emissões, quer em valor de montante emitido. Nos primeiros 10 anos, entre 1999 e 2009, foram lançadas 13 emissões de OT´s (média anual de 1,3 emissões), no valor de 8.048 milhões MT, tendo havido anos sem qualquer emissão (2003, 2006 e 2007).
De 2010 a 2016, assistiu-se a uma maior regularidade na emissão de OT´s e em volumes superiores, tendo sido emitidas 26 emissões (média anual de 3,7) num valor total de 37.568 milhões MT (quatro vezes superior ao período de 1999 a 2009).
Nos últimos quatro anos, entre 2017 e 2020, a emissão de OT´s foi mais significativa, tendo sido lançadas 38 emissões (média anual de 9,5 emissões por ano), num montante total que ascendeu a 94.370 milhões MT, representando mais do dobro do montante emitido nos 16 anos anteriores (1999 a 2016), que foi de 45.626 milhões MT.
Esta evolução crescente da emissão de Obrigações do Tesouro, para as finalidades previstas no Programa Quinquenal do Governo constitui, efectivamente, um maior uso do mercado de financiamento interno via mercado de capitais, e evidencia a pertinência da Bolsa de Valores no financiamento à economia nacional, e particularmente ao Estado.
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