O basquetebol partilha com todas as outras modalidades desportivas uma característica interessante. Tem uma estrutura clara, tem lances padronizados, tem inícios e desfechos claros e obedece a um conjunto de regras também claras.
O seu problema, contudo, é que, ao mesmo tempo que responde a essa estrutura clara, cada jogo é único, escreve a sua própria história. Tudo o que nele acontece conduz à derrota, empate ou vitória, sim, mas não é necessariamente igual. Aquele passe, tropeço, aquela falta, interrupção do jogo, lesão, etc. podem mudar o curso do jogo. É tipo um Ser superior escrever torto em linhas direitas.
Curiosamente, esta é uma característica muito particular da própria vida social. O nosso quotidiano parece igual e, até um certo ponto, é, na verdade. É, de facto, na sua estrutura. As coisas que fazemos no dia-a-dia, porém, são muito diferentes umas das outras mesmo quando são as mesmas coisas. Fazemos, por exemplo, o mesmo percurso de viatura privada, transporte público ou a pé para o serviço ou para a escola, mas há sempre alguma coisa nova ou diferente nesse trajecto. Pode ser que nenhuma dessas coisas nos desconcerte ao ponto de voltarmos à casa e dizermos com um suspiro cansado “o meu dia hoje foi diferente”, mas nessa diferença esteve um elemento central para a reprodução da rotina. Sem querer meter muita sociologia nisto, gostaria de dizer que o que faz com que os nossos dias sejam iguais, apesar de diferentes – e o mesmo se aplica ao basquetebol – é a nossa capacidade de integrar na rotina o que é diferente e tem potencial para alterar completamente essa mesma rotina.
A vida é um empreendimento arriscado. Aquele peixe saboroso que você mastiga, saboreia e engole com gosto pode ter uma espinha que num momento de desatenção o vai sufocar.
Aqueles segundos que você aproveita para tirar os olhos da estrada porque na berma coisas ambulantes redondas ou musculosas chamaram a sua atenção pode ser o momento pelo qual o chapa esperava para lhe cortar a prioridade e apressar o seu encontro, ou o dos seus passageiros, com o Criador. Na verdade, se a gente pensar bem nisto, a razão que explica porque estivemos envolvidos em poucos ou mesmo em nenhum acidente não é a nossa perícia ao volante. Temos sorte só porque o acidente pode vir do nada, por assim dizer. O risco na vida está nisso aí. A gente vive a vida gerindo o risco, isto é, criando condições que nos permitam domesticar o que não é parte da rotina. Esta máxima vale no nosso quotidiano como também vale no quotidiano dum país. Gerir um país é domesticar riscos, ou seja, é manter a sociedade preparada para lidar com o diferente e novo integrando-o na rotina. No fundo, o que a vida é realmente é trabalho de Marracuene. É trabalho que nunca mais acaba.
Um exemplo disto é o desafio dos transportes nos grandes centros urbanos. Na verdade, a situação dos transportes em Maputo, por exemplo, não é nada fácil. É um grande embaraço para qualquer moçambicano com consciência. Eu, por exemplo, não conduzo à vontade, sobretudo ao cair da noite, quando vejo em todas as paragens dezenas de pessoas à espera da sorte que lhes vai garantir um lugar num “chapa”, “MyLove” ou mesmo num daqueles machimbombos da Empresa Municipal de Transportes dirigida, ao que parece, pelo governo central através do Ministério dos Transportes.
Constrange-me pensar que fui bafejado por uma sorte qualquer que me tirou da berma da estrada para o volante dum carro privado. Podia estar lá também com a população.
Um serviço de transportes tem uma estrutura clara. Leva as pessoas do ponto A ao ponto B. Uma coisa é garantir que essa estrutura se mantenha – levar do ponto A a B e de volta – e outra é ter resposta para o que acontece durante o percurso.
Essas duas coisas pertencem a pelouros diferentes. Alguns dos problemas que temos nos transportes resultam, infelizmente, da confusão entre estas duas coisas.
Manter a estrutura é coisa de quem toma decisões políticas. A estrutura implica coisas como a regulação da área, os incentivos fiscais, a infra-estrutura, etc. Não é trabalho da empresa de transportes, muito menos do “chapa” ou do “MyLove”. É coisa de quem tem autoridade e poder para determinar essas coisas. Agora, saber quantos autocarros colocar quando e onde na cidade é coisa da empresa de transportes. Encontrar medidas que garantam a rotina é trabalho de quem lida diariamente com o problema. Ele precisa de espaço para tal. Não precisa de quem lhe faça visita-relâmpago para se arvorar em especialista de gestão quando a sua função é criar as condições políticas necessárias à garantia da estrutura. A função dessa pessoa é como a da federação de basquetebol. Regula. A empresa é o treinador que tem de reagir ao imprevisível.
E os transportes são bastante imprevisíveis. São das poucas áreas em que qualquer solução é um potencial problema. Os “dubaizinhos” são disso exemplo. Permitiram o acesso à viatura, mas também congestionaram as ruas e tornaram a infra-estrutura urbana da noite para o dia inadequada. A próxima solução-problema vem aí com a ponte chinesa. Ela vai tornar visível a ausência de metro de superfície, de mais vias de acesso à cidade, assim como de pontos estratégicos onde as pessoas possam deixar os seus carros para pegarem transporte público.