A agricultura familiar pode ser um factor de progresso

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Por Gabriel Muthisse

 

Nasci no campo, grande parte da minha família vive no campo e, por isso mesmo, as questões da agricultura familiar e do desenvolvimento rural mexem muito comigo. Isto é assim porque sempre reparei que, embora as pessoas de Madzukane, minha aldeia natal, se esforcem muito nas suas actividades agrárias, a pobreza circundante continua dominante. E quando o paradigma prevalecente em muitos países como o nosso parece assentar na produção de bens exportáveis, no uso de tecnologia intensiva de insumos e capital, favorecendo as economias de maior escala com concentração económica, o meu receio de que esse paradigma possa lesionar gravemente a base da soberania alimentar de grande parte da população moçambicana adensa-se cada vez mais. A insegurança alimentar que caracteriza os Madzukane deste Moçambique tem o potencial de se agravar.

 

Se antes do boom dos preços das commodities da primeira metade da década 70 do século passado a agricultura familiar parecia ter algum futuro, depois disso, começaram a difundir-se pacotes tecnológicos que se traduziram no uso intensivo de capital na agricultura e na necessidade de ampliação da superfície trabalhada, o que se constituiu no principal obstáculo para a sobrevivência dos produtores familiares. A diferença da agricultura industrial, muito dependente tanto dos insumos externos como das oscilações e controlos do mercado agroexportador, a agricultura familiar apresenta sistemas diversificados de produção mais próximos e aportes à estabilidade dos ecossistemas em que se insere. A maior diversidade das produções da agricultura familiar tem o seu fundamento na procura incessante de equilíbrios de rentabilidade ao longo dos anos agrícolas, na necessidade de assegurar o autoconsumo familiar, na redução dos riscos e, especialmente, na busca de uma menor dependência dos insumos externos. Esta diversidade produtiva deve-se e sustenta-se porque o agricultor é, ao mesmo tempo, empreendedor e trabalhador, de tal maneira que o trabalho e a gestão estão justapostos na unidade familiar.

 

A racionalidade do produtor familiar é muito diferente da lógica empresarial pois aquela tem como finalidade a reprodução das unidades domésticas, que se consubstanciam no perfil familiar da unidade produtiva, na força de trabalho familiar, na venda parcial da produção e na preferência por tecnologias intensivas de mão de obra. Seja como for, uma visão mais isenta da agricultura familiar esquivar-se-ia de avaliações morais ou desqualificações a qualquer das possíveis formas de evolução das unidades produtivas agrárias: algumas se desestruturam ou desaparecem; algumas se convertem em empresas capitalistas, pequenas, médias ou grandes; algumas se organizam em cooperativas; algumas permanecem como herdades trabalhadas exclusivamente por uma família; outras conseguem diversificar os seus meios de vida e fazem  coexistir o trabalho na herdade e o trabalho fora dela, tudo isto dentro dos processos inexoráveis de desenvolvimento da economia e da sociedade. Ademais, dentro das famílias que exploram pequenas fazendas agrícolas está a aumentar rapidamente o emprego fora da herdade familiar, seja assalariado ou não. Ao mesmo tempo, continua a drenagem migratória para as cidades ou para o estrangeiro, o que faz com que as remessas constituam importantes fontes de rendimento para essas famílias. Vale notar que grande parte das famílias de Madzukane suplementam a sua renda com remessas dos filhos da terra que emigraram, principalmente, para Maputo, Xai-Xai, ou para as minas da África do Sul.

 

O maior constrangimento da agricultura familiar é, quiçá, o facto de carecer de seguros e não poderem aceder a mecanismos que a ajudem a aplicar tecnologias novas com rapidez e eficácia, para poderem responder a novas situações climáticas. Em Madzukane, como em outras aldeias deste país, a agricultura continua a praticar-se hoje, no fim da segunda década do século XXI, como se praticava quando nasci, na primeira metade da década 60 do século XX. Não há acesso a sementes melhoradas. Não há acesso a equipamento agrícola, além da enxada de cabo curto. Não há acesso a facilidades de armazenamento que evitem perdas pós-colheitas. Não há acesso a financiamento. Não há acesso a infraestruturas viárias, de energia e de comunicação. E, acima de tudo, não há acesso a mercados.

 

As desigualdades nos mercados mundiais de alimentos têm contribuído enormemente para a decadência da agricultura familiar como meio de crescimento e de geração de renda. Para além disso, a sociedade, no seu conjunto, tem tendido a desvalorizar o potencial da agricultura familiar de produzir bens e serviços de qualidade e de contribuir para a sustentabilidade económica, ambiental e social. Não se deve perder de vista que a agricultura familiar contribui sobremaneira para a segurança e soberania alimentar das nações, principalmente as mais subdesenvolvidas, utiliza tecnologias amigáveis com o meio ambiente e produz alimentos sãos para os mercados próximos. Grande parte da comida consumida nas famílias moçambicanas provém dos pequenos produtores familiares. Deste modo, esta actividade económica constitui o principal freio à migração da população rural do Interior. Estes factos induzem, naturalmente, a que se costurem políticas que prestem atenção à qualidade de vida destes produtores, em termos de bens públicos como educação, treino vocacional, saúde, infraestruturas, instituições de comercialização, assistência técnica e outros.

 

Na verdade, atendendo a que o produtor familiar é aquele que ainda se encontra enraizado à terra, com uma cultura própria e para quem o desenvolvimento inclui não somente uma melhoria da sua estabilidade económica, mas também o respeito e consolidação de pautas culturais, familiares, sociais, ecológicas e de apego a um ambiente que o modelo industrial não só desatende como, sobretudo, ameaça, Moçambique deve prestar uma grande atenção aos caminhos que conduzam à sustentabilidade do moçambicano no campo, mediante processos que garantam as suas formas de produção e estabilização nos seus próprios espaços vitais.

 

No marco de um verdadeiro desenvolvimento rural sustentável, a agricultura familiar há-de ser um pilar insubstituível. Os países hoje desenvolvidos assim o entenderam num passado não tão longínquo. Existem estudos rigorosos que demonstram que as nações que atingiram níveis elevados de educação, que melhoraram as suas condições de saúde, que alcançaram qualidade e esperança de vida e que conquistaram uma renda per capita elevada, fizeram-no através do fortalecimento de uma agricultura baseada no trabalho familiar. Pelo contrário, as nações com os mais baixos índices de desenvolvimento humano ignoraram e ostracizaram esta actividade económica, privilegiando ostensivamente a monocultura, a concentração e o capital intensivo virado para a agroexportação, no marco de uma agricultura cada dia mais especulativa.

 

Um enfoque no desenvolvimento rural sustentável implica uma agricultura familiar que não se circunscreva, como a dos meus pais, em Madzukane, às práticas produtivas convencionais, mas que se apresente como inclusiva de actividades não agrícolas que aproximem soluções às famílias rurais e, por conseguinte, conduza a melhorias na qualidade das suas vidas como construção de habitação de qualidade, marcenaria, turismo rural, a agroindústria familiar, a piscicultura, a pecuária, os sistemas de mercado e de comércio justo, a conservação do meio-ambiente e a educação ambiental. Parte destas actividades fortalecem ainda mais os laços com outros actores da sociedade, como os habitantes das cidades e os actores locais das aldeias vizinhas, constituindo uma rede de serviços e de integração campo-cidade, que hoje se encontram em permanente desarticulação.

 

No âmbito da estruturação dos sistemas de mercado e de comércio justo talvez seja de pensar em fomentar compras públicas a explorações agrárias familiares para programas de alimentação escolar e outras que, num primeiro momento, possam ser facilmente estabelecidas. Isso será mais fácil de conseguir se os produtores rurais se organizarem em associações (que não se devem confundir com machambas colectivas, como as que tivemos num passado recente).

 

Portanto, preconizamos um modelo de desenvolvimento rural que tenha a agricultura familiar como eixo fundamental, a qual deve incluir entre as suas questões económicas a possibilidade de replicar um modelo de produção e consumo com forte base local. Essa agricultura familiar deve garantir níveis de qualidade de vida similares àqueles das populações urbanas. Esta é a chave se se quiser estancar a migração campo-cidade. A agricultura familiar a que nos referimos deve assegurar a sustentabilidade e a segurança agroalimentar, em conjunto com uma renda e crescimento a níveis equitativos. No aspecto sociocultural deve-se garantir um acesso justo ao conhecimento e a novas práticas tecnológicas, mantendo o controlo local das decisões. Haverá, por fim, que revalorizar todo o tipo de saberes, considerando que as famílias camponesas desenvolveram um amplo quadro de conhecimentos nem sempre valorizado pelas instituições prevalecentes.

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